Nós contadores somos todos hipócritas
Sim, hipócritas.
E já explico o porquê.
Adoramos falar mal do coleguinha que não faz escrituração contábil de empresas do Simples Nacional, julgamos o preço baratinho que ele pratica no mercado e criticamos as estratégias duvidosas que ele usa para captar clientes.
Para isso, nos embasamos no Código de Ética, ou na Resolução do CFC que obriga empresas a manterem escrituração contábil regular, independente do porte.
Antes de pensarmos em normas e resoluções em que nos respaldamos para distribuir o nosso falso moralismo por aí, convido vocês a lembrarem o que nos trouxe até aqui: a Ciência Contábil, na sua essência.
Quero falar disso e mostrar por que somos todos hipócritas (me incluo).
Bem, mas antes de você cuspir chamas de fogo contra mim e o meu título extremamente polêmico, deixe eu me apresentar.
Eu sou contadora, trabalhei por 7 anos em um escritório de contabilidade, de estagiária a gerente do departamento contábil, até me arriscar na dura vida de empreender. Por 6 anos estive à frente da Fatto Contabilidade.
Nesses treze anos de carreira contábil, eu posso afirmar que Contabilidade, mesmo, eu fiz por pouco mais de 1 ano, pois demorei muito tempo para entender o que de fato é Contabilidade.
Pois bem. Você, contador ou contadora que adora apontar o dedo na cara do outro, me responda:
VOCÊ REALMENTE FAZ CONTABILIDADE?
E para você entender exatamente o que eu quero dizer com essa pergunta, me responda outra:
O QUE VOCÊ FAZ COM AS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS DO SEU CLIENTE DEPOIS QUE FICAM PRONTAS?
A partir dessa resposta, a gente consegue distinguir quem realmente faz (uma minoria estarrecedora) dos que fingem que faz (a maioria esmagadora) Contabilidade no Brasil.
Acho que vale esclarecer (ou te relembrar) alguns pontos:
→ Contabilidade não é sobre escrituração contábil.
→ Não é sobre entregar SPED CONTÁBIL e ECF no meio do ano.
→ Não é sobre lançar somente nota fiscal de entrada e de saída, porque é só isso que o cliente te enviou.
→ Não é sobre lançar um extrato bancário e contabilizar receitas e despesas não fiscais em “contas a regularizar” ou criar um movimento de caixa fake para justificar.
→ Não é sobre enviar um balanço assinado para o cliente mandar para o gerente do banco.
→ Não é sobre conciliar contas de fornecedores, clientes, salários, e depois enviar para o cliente uma relação de pendências no final do mês.
→ Não é sobre apuração do Lucro Real.
Eu sinceramente não sei qual foi o momento exato em que nós contadores perdemos o fim da meada.
Não sei o que aconteceu quando aceitamos, de forma acachapante e incontestável, que a Ciência Contábil seria reduzida a uma mera obrigação acessória, utilizada apenas para cumprir formalidades fiscais.
Por que você nunca apresentou (ou apresentou para uma minoria) os indicadores contábeis, como a NCG, o EBITIDA, o EVA, ou até a mais simples LUCRATIVIDADE para seus clientes?
O que aconteceu com a Contabilidade usada como ciência para tomada de decisão?
Eu sei o que você vai dizer. Vai dizer que
A CULPA É DA SONEGAÇÃO.
A CULPA É DO CLIENTE QUE NÃO VALORIZA.
A CULPA É DO CLIENTE QUE NÃO MANDA INFORMAÇÃO.
A CULPA É DO CLIENTE QUE NÃO TEM NENHUM CONTROLE.
Quantas escritas contábeis você faz aí no seu escritório, que de fato refletem a realidade da empresa? Que de fato podem ser usadas para alguma tomada de decisão?
Nenhuma ou quase nada, né? Eu sei como é. Também me ensinaram que a Contabilidade deve ser feita para atender às necessidades do fisco.
Meu pai me ensinou grande parte do que eu aprendi no departamento contábil. Ele me dizia:
“Fernanda, toda empresa deve ser tratada como se Lucro Real fosse. Escrituração contábil completa, independente do seu porte ou tipo de tributação”.
“Fernanda, se o cliente não enviar o documento, você precisa cobrar, sempre”.
“Fernanda, na dúvida, não lance um documento com origem duvidosa”.
Esses e outros ensinamentos me trouxeram até aqui e me ajudaram a valorizar a preciosidade de uma informação contábil completa.
Até eu entender que, na verdade, essas premissas me levaram a fazer uma Contabilidade longe de ser completa.
Se o cliente sonegava, a contabilidade jamais refletia sua realidade. Tudo que era lançado era puro lixo, uma baboseira contábil cheia de remendos.
Se o cliente enviava um comprovante de despesa válido, do ponto de vista financeiro, mas que não era uma nota fiscal, isso era devolvido para o cliente e lançado em uma conta a regularizar. O lançamento ficava ali nessa conta para o resto da vida.
E assim eu segui a maior parte da minha vida profissional, escrevendo um livro que jamais seria lido, um apanhando de lixo impresso ou eletrônico sem nenhuma coerência ou concordância. Apenas lixo.
Essa, meus caros, é a nossa Contabilidade reduzida a fins fiscais. Aquela que seu cliente sempre disse que não serve pra nada.
Mas a verdade que ninguém te contou, meu amigo contador, é que Contabilidade transcende qualquer entendimento sobre sonegação, despesas dedutíveis, receitas tributáveis, ou outros conceitos aberratórios que o Estado foi nos enfiando goela abaixo.
Com o tempo eu fui aprendendo que a Contabilidade usada para fins gerenciais era infinitamente mais poderosa, um tesouro do mais precioso valor, a arma mais potente capaz de erguer impérios.
“Mas aí eu terei que fazer duas contabilidades? Uma fiscal e outra gerencial? O cliente mal está disposto a pagar por uma”, você me diz. E é uma dor genuína. Mas eu te respondo de volta:
Ninguém ama aquilo que não conhece.
Você mesmo, contador, não conhece a Contabilidade e do que ela é capaz de fazer por uma empresa. Por isso te convido a fazer um teste.
Faça com um cliente. Faça duas contabilidades sim, se for preciso. É mais fácil do que você imagina.
E em posse da escrituração contábil verdadeiramente completa e refletindo a realidade da empresa, vá até o seu cliente e mostre para ele o gráfico de capital de giro versus necessidade de capital de giro da empresa. Fique calado e observe a reação dele. Depois me conta.
E para finalizar, te convido a julgar menos o coleguinha, e olhar para o seu próprio umbigo, fazer uma profunda reflexão sobre o seu trabalho e em seguida responder, do fundo do seu coração, se você realmente tem feito Contabilidade.
Se você respondeu que NÃO, de quem é a culpa?
Até quando você vai continuar sendo despachante do Governo?
Beijos e até a próxima.
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