Metas ousadas e objetivos tóxicos

Você não precisa disso

Introdução

Novembro geralmente é o mês oficial de planejamento estratégico para o ano seguinte e, com isso, metas e objetivos são traçados após horas de reunião entre os sócios do escritório, ou se o contador for sozinho, ele retira suas expectativas da cabeça e põe no papel.

Normalmente este planejamento está associado a:

• aumento de receita
• maior número de clientes
• aumento do ticket médio
• mais ou menos pessoas na equipe
• nível de automação do escritório…

Tudo isso vem com uma dose de ousadia e o desejo de “crescer e ser melhor como nunca”.

Bem, pela minha experiência gerindo empresas há mais de dez anos e conversando com contadores do Brasil inteiro, tem um sentimento aí que fica oculto e dificilmente é conversado: o da angústia.

Angústia por ter que crescer a qualquer custo.

Angústia por ter que mostrar que cresceu a qualquer custo.

Angústia pelo medo de não atingir os objetivos e decepcionar a si próprio.

Você se identifica com isso? Já está aflito com as metas ousadas do ano que vem? Aí no fundo você sente uma ansiedade bizarra por essa necessidade imposta de ser maior e melhor sempre? Então você não está sozinho.

Neste artigo, convido você a andar na contramão do que dizem os gurus da web, os coachs, os influencers digitais, os mentores e todo o marketing que te cerca.

Questione-se

Você já parou para se perguntar se é isso mesmo que VOCÊ quer? Se o seu escritório ficasse exatamente do tamanho que é hoje, o quanto te incomoda? E se ele crescesse apenas 20% da meta que você colocou? Que impacto isso teria?

Pergunto isso porque absolutamente todos os conteúdos que você consome na internet te conduzirão a pensar que você precisa, sim, crescer a qualquer custo. Você precisa ser digital. Ser grande. Inovar. Escalar. Ser gestor. Ser estratégico. Ser vendedor. Ser mais. Ser melhor.

O que você é hoje não é suficiente, é pouco, é medíocre.

E você passa a acreditar nisso como se fosse verdade inquestionável.

Já te adianto o óbvio: isso não é saudável. Se você não cuidar da sua mente, esse excesso de imperativos vão te levar na vala que eu já estive várias vezes. O de se sentir incapaz, fracassado, menor que os outros. Não faça isso com você.

Qual é o seu tamanho?

Estou a frente de uma startup de tecnologia há quase 6 anos. E nesse tempo eu já quis de tudo: ser unicórnio, estar na capa da Forbes, fazer IPO, ser a maior accountech do mundo.

Esses desejos me consumiram de uma forma que não cabe nesse artigo explicar. Mas já escrevi dois sobre transtorno de ansiedade generalizada: A dor que vem da alma e Carta de acolhimento para mim mesma.

Depois de um tempo, comecei a me questionar se era realmente isso que eu queria. Na verdade, me perguntei POR QUE eu queria essas coisas. Se isso me faria feliz.

Se meu filho me acharia uma mãe melhor.

Se meu marido me acharia uma esposa melhor.

Se minha mãe me acharia uma filha melhor.

Se EU me acharia uma pessoa melhor.

Depois de responder NÃO para todos esses questionamentos, eu comecei a entender melhor o meu tamanho.

Ainda não realizei tudo o que eu queria na Nucont, quero sim crescer mais do que já cresci até hoje. Mas não quero estar na capa da Forbes. Não quero ser a mulher empreendedora do ano.

O que eu quero é chamar meus clientes pelo nome e tomar um café com eles.

Quero tirar um mês de férias (que farei nesse ano, pela primeira vez na minha vida).

Quero cuidar das minhas plantas, que hoje são muitas… rs

Quero cuidar dos meus cachorros, do meu marido e ver de perto meu filho se tornar um homem.

Quero engravidar novamente, depois de anos achando que esse ritmo maluco que eu vivia me impedia de ter um novo bebê.

Então eu repito a pergunta inicial: qual é o seu tamanho? E acrescento uma nova: Por que você quer ter esse tamanho?

Saia da zona de conforto?

A frase “sair da zona de conforto” é até bem intencionada, no sentido de incentivar as pessoas a assumirem seu protagonismo, mas ela pode ser muito tóxica.

Nós estamos sempre em busca de conforto. Conforto é bom. O corpo pede. Então por que você iria atrás de um objetivo que o deixaria desconfortável? Até quando você estaria disposto a viver no desconforto? Quais as consequências mentais disso?

A reflexão que eu quero conduzir é: se você nesse momento quer ficar exatamente do jeito que está, sem grandes metas e objetivos revolucionários, está tudo bem.

Mas se você quiser crescer, faça pelos motivos adequados, não porque os influencers estão dizendo isso sem parar.

Aqui vai uma palestra que fiz recentemente sobre empreendedorismo e saúde mental: https://youtu.be/dTN7I6c284s

Conclusão

Tenho conversado com vários contadores ao longo desses últimos meses do ano e a minha percepção é quase sempre a mesma: estamos todos exaustos.

Depois de 2 anos de pandemia e um 2022 conturbado social e economicamente, essa cultura do “crescer para ser” não aparenta condizer com nosso estado de saúde mental.

Parece que agora que a pandemia acabou, nos obrigamos a correr atrás do aparente prejuízo que “o ficar em casa” provocou. Não queremos ficar para trás e isso é um sentimento genuíno.

Mas buscamos crescer pelos motivos errados, nos impondo metas ousadas e objetivos tóxicos que destroem nossa autoconfiança.

Se pensar em faturar duas ou três vezes mais do que hoje está te deixando com calafrios, pare agora. Lembre-se que a estagnação traz estabilidade. E ter estabilidade em certos momentos é muito mais saudável do que querer ir além.

Não precisa ter vergonha e nem se sentir inferior porque você não está faturando “6 em 7” ou não entrou no grupo de mastermind daquele guru que você acompanha. Entenda qual é o seu tamanho e qual é o seu momento de vida.

Aceite isso. Permita-se a isso. E fique bem.

Agora vai lá dar um beijo no seu filho ou no seu pet e um cheiro na sua esposa/marido e suspire aliviado.

Desacelere.

Espero ter ajudado ❤

Com amor,

Fernanda